indie lusitano #9: Best Youth
Música para flutuar na sua pista de dança imaginária.
*Para ouvir se curte electro pop, indie rock e dream pop
Ed Rocha Gonçalves e Catarina Salinas se conheceram adolescentes nas férias de verão no Algarve. Passados alguns anos, acabaram se cruzando nas noites do Porto, em um bar com open stage. Ed procurava uma voz feminina para a apresentação. Avisada por uma amiga e cansada de cantar na privacidade do seu quarto, Catarina decidiu se juntar a ele e subiu ao palco. Dali nasceu o que viria a ser o Best Youth.
Abaixo, nossa conversa sobre as referências, novidades e o manifesto pela música independente que eles lançaram na onda dos NFT (non-fungible token-- não se preocupe se, assim como eu, você está lendo sobre isso pela primeira vez).
Há dois caminhos para entrar no mundo do Best Youth — claro, há mais do que dois, mas o duo gosta de criar conceito para os discos, contam uma história faixa a faixa. São desses artistas que ainda acreditam que faz sentido lançar discos, por isso, para conhecê-los é preciso ouvir a história toda.
Você pode começar a viagem pelo disco de estreia Highway Moon (2015), uma jornada longa, mais dreamy, tateando algo desconhecido e se deixando envolver pelas camadas eletrônicas suavemente dançantes. Ou pode partir de Cherry Domino (2018), um disco noir, curto e conciso, com sonoridade e estética bem anos 1980, década que muito influencia o duo. Em ambos, o destino final será uma pista imaginária.
If your heart can't dance, you got no defense.
Foi Cherry Domino levou o Best Youth para fora de Portugal, seja em termos de público, crítica e parcerias. A discografia incluiu ainda o EP Winterlies, lançado em 2011 (explodiram na cena portuguesa com a faixa Hang Out). Ou seja, lá se vão 10 anos de banda. Sentem-se na melhor fase?
Sem dúvida. Ignorando por momentos o facto dessa celebração ter calhado bem no meio de uma pandemia global que está a ser muito complicada para o sector inteiro, temos a sorte de ter muito bom público interessado no que fazemos e muita vontade de fazer coisas. Para nós a melhor canção é sempre a que vem a seguir - Ed
Não sei se será a melhor fase, mas sinto que amadurecemos muito nestes 10 anos e a forma como fazemos música e como a mostramos ao público também e isso vê-se nas reacções aos nossos concertos e na forma como interagimos com as pessoas. Com isto penso que o melhor ainda está para vir, até porque celebrar 10 anos de carreira em plena pandemia e em “castigo” não pode constituir a melhor fase para ninguém! Melhores anos virão, a começar já com o próximo ;) - Catarina
A banda representa bem a cidade do Porto, onde a vida se desenrola à beira do Douro ou pelas ruelas da cidade. Carregada de história, tem seu lado moderno, com uma das noites mais interessantes de Portugal, palcos para várias bandas, uma forte cena hip hop e de eletrônica.
Não diria que estar no Porto afecta a música propriamente dita, mas afecta a atitude do grupo: inconformação e resiliência. Afinal de contas, somos a cidade invicta - Ed
Eu acho que é inevitável sentir que o Porto está presente na nossa música, mesmo sendo cantada em inglês e mesmo que os temas abordados não falem sobre a cidade. Nós somos tripeiros de gema que, para mim, significa perseverança e nostalgia, algo que penso estar impregnado na nossa música e na nossa forma de estar neste mundo - Catarina
Uma breve explicação sobre “a cidade invicta” e os “tripeiros de gema”.
O título de cidade invicta está no brasão da cidade. Durante as Guerras Liberais (1832 – 1834), o Porto foi cercado pelas tropas absolutistas. Dá-se o nome de Cerco do Porto a este período que durou mais de um ano. Mas as tropas liberais resistiram, assegurando a vitória sob a liderança de D. Pedro.
“Tripeiros de gema” é como são chamados os nascidos no Porto. Diz a história que em 1385, em apoio uma expedição ultramarina, a população cedeu todas as carnes limpas às naus, ficando apenas com as tripas como alimento. Os portuenses fizeram delas um prato que tornou-se tradicional, conhecido como Tripas à Moda do Porto.
Rumba Nera: um novo feeling a caminho?
Depois da pausa provocada pela pandemia, a banda voltou com novidades. Lançou o single Never Belong, em 2020, e Rumba Nera, em 2021. O primeiro mais dançante, mais pop, e o segundo com uma estética diferente, vibe latina e ares de David Lynch no vídeo. Para onde está indo a nau sonora dos Best Youth?
Até o disco estar cá fora nem nós próprios sabemos bem! Nós tentamos que cada disco nos surpreenda e que saia o mais possível da zona de conforto para que a experiência seja diferente, excitante e desafiante. Dessa forma, independentemente de o resultado ser mais próximo ou mais distante daquilo que as pessoas conhecem de nós, ficamos sempre satisfeitos pelo processo – Ed
Rumba Nera é uma música que faz alusão às inquietações modernas da nossa constante exposição a experiências e às vidas altamente observadas dos dias de hoje. A expressão não aparece na letra da música (que deveria se chamar Rumba Negra, mas um erro no arquivo acabou deixando-a com esse nome), logo, a interpretação fica aberta. Trata-se, claro, de uma referência a uma dança, a rumba. E no clipe fica clara a referência da fotografia e do cinema no duo.
É a primeira vez, penso eu, que um nome que damos em fase demo é mantido no final! Neste caso, para além de adorarmos a sonoridade deste nome, tem tudo a ver com o contexto da canção, para mim. Trata-se de uma “dança” que nem sempre é leve e fácil de equilibrar, aliás, no geral, é uma “dança” por vezes perigosa, um jogo de cintura que nem estamos preparados para ter - Catarina
Quer o Ed quer eu, vimos de uma adolescência onde o cinema e a música tiveram um papel muito presente e nesse sentido fez-nos ver o mundo (para bem ou para mal, dependendo do romantismo ;) através de uma objectiva ou de uma guitarra e voz. As influências ainda são algumas além de David Lynch e podem ir desde Quentin Tarantino a Wes Anderson, passando pelo Tim Burton, entre outros - Catarina
NFT: um manifesto
Junto com o single, o duo lançou um manifesto. "Nós acreditamos que o futuro da música independente está no blockchain. Artistas se conectando diretamente aos fãs e sendo capazes de definir regras e práticas justas sobre como seu trabalho é acessado", escrevem. Com o manifesto (leia aqui) eles colocaram a gravação do vídeo de Rumba Nera como primeiro item à venda no formato. Chamaram de "primeira performance" NFT.
Mas o que afinal é NFT? (aqui tem uma explicação acessível da Folha e aqui no UOL dá pra entender mais sobre esse lance de cryptoart). Em resumo, são ilustrações, GIFs, animações, vídeos e músicas associados à tecnologia blockchain e vendidos com um certificado de autenticidade digital.
O Manifesto partiu de uma vontade de, principalmente nesta altura, olharmos para a forma como nas últimas décadas a nossa indústria evoluiu e perceber que não é sustentável para os criadores. Recomendo a todos que pesquisem o que são NFTs e de que forma podem vir a mudar o panorama - Ed
Rumba Nera deu um ar diferente à banda, tanto na estética quanto na atitude, lançando o manifesto e abrindo um canal para que outras bandas da cena portuguesa abracem a ideia. Agora é esperar os novos rumos do duo, que até planejava lançar um disco ainda este ano, mas Ed está a acalmar as expectativas…
Correndo tudo bem, (o disco) sai sim, mas este ano tem sido muito forte em factores inesperados e mudanças de planos de última hora. Nunca nos podemos esquecer da lei de Murphy, é sempre melhor estar a contar com ela - Ed
Discografia
There must be a place
Winterlies (2011)
Highway Moon (2015)
Cherry Domino (2018)